segunda-feira, 13 de junho de 2011

A diversidade da memória.(PARTE-1 ).

Formulada no século XIX,a noção de memória múltipla se impôs nos anos 70.Os artigos deste estudo apresentam os elos entre comportamento,fisiologia e mecanismos moleculares da memória.
A memória é uma função "inteligente”. Permite que seres humanos e animais se beneficiem da experiência passada para resolver problemas apresentados pelo meio. Proporciona aos seres vivos diversas aptidões, desde o simples reflexo condicionado até a lembrança de episódios pessoais, e a utilização de regras para a antecipação de eventos. Essa diversidade baseia-se no tripé aquisição, armazenamento, e emprego das informações.
Durante muito tempo debateu-se intensamente a possibilidade de a memória ser considerada uma função unitária ou ser decomposta em diferentes sistemas. Rejeitada de início pelos cientistas, a idéia de que podem existir várias formar ou tipos de memória hoje afinal se impôs.
O estudo científico da memória ganhou impulso no início do século XX. A abordagem experimental, fundamentada nos aspectos observáveis do comportamento, gerou a escola behaviorista (Comportamentalista), de Ivan Pavlov, Edward Thorndike,Burrhus Skinner,segundo a qual o aprendizado poderia ser explicado por meio do estabelecimento de associações estímulo-resposta (E-R).
Na década de 50,porém,Edward Tolman sugeriu que se é verdade que o animal aprende "respostas",ele pode também adquirir "conhecimentos" e "representar" seu mundo.Haveria,assim,mais de um tipo de memória.Á "automática",resultante da associação entre estímulo e resposta,seria preciso acrescentar a memória "cognitiva",que possibilita respostas adaptadas (inteligentes) a novos problemas.Essa idéia,denunciando o caráter limitado do behaviorismo,repercutiu pouco.
Nos anos 60, havia apenas a distinção entre memória de curta e de longa duração, e os neurobiólogos pesquisavam os mecanismos de "consolidação" que permitiam a passagem de uma memória à outra.
Foi principalmente nos últimos 20 anos que se acumularam dados experimentais favoráveis á existência de uma memória de longa duração polimórfica. Decisiva foi a descoberta, no homem e nos animais, de dissociações mostrando que lesões cerebrais localizadas alteram algumas aptidões mnemônicas, deixando outras intactas.
É importante compreender as consequências dessas observações,mas talvez limitar seu alcance.Elas sugerem que a evolução levou á sobreposição dos módulos ou sistemas cerebrais capazes de processar,registrar e utilizar informações cada vez mais complexas e,portanto,de enfrentar situações mais difíceis.Para alguns pesquisadores,esse fenômeno evolutivo foi necessário em razão de uma incompatibilidade funcional que explicaria por que a evolução selecionou sistemas múltiplos de memória.
Assim, David Sherry e Daniel Schacter sustentaram,em 1987 ,que um sistema de memória adicional só se desenvolveu porque as aptidões do preexistente eram opostas ás do sistema necessário para enfrentar novos problemas. Trata-se de uma versão "forte" do argumento em favor da pluralidade dos sistemas de memória, algo que já estava presente em Matéria e Memória (1896) de Henri Bergson.

A TAXONOMIA DA MEMÓRIA.

A classificação atual dos tipos de memória não se baseia tanto nas incompatibilidades ou entre as regras operatórias de casa sistema. No caso dos seres humanos, a atual taxonomia indica uma correspondência entra cada sistema de memória e as estruturas cerebrais indispensáveis a seu funcionamento.
Isso sugere que tais sistemas funcionariam de forma independente (em paralelo). Mas essa afirmação não é válida para os próprios sistemas nem para seu suporte neuroanatômico. Sabemos, por exemplo, que se o lobo temporal medial é necessário para o bom funcionamento da memória declarativa (memória de fatos e eventos) ele pode ser igualmente indispensável para o condicionamento clássico das respostas musculares (cujo "suporte" também é o cerebelo),e para certas manifestações da memória implícita,que,normalmente,só envolve o neocórtex.
Esses diferentes sistemas interagem,cooperam e ,em certos casos,até entram em conflito,dependendo das situações particulares enfrentadas.A correspondência estrita entre o sistema de memória e  as estruturas cerebrais repousa também na idéia de que essas estruturas elaboram as marcas mnemônicas (ou engramas) essenciais para a manifestação de cada forma de memória.
Convém enfatizar também que a importância funcional de uma estrutura cerebral não está ligada apenas ao fato de ela armazenar informações correspodentes á sua especialização.Quando tentamos lembrar um evento preciso,por exemplo,algo que exige de nossa memória operações complexas de pesquisa,consera-se que o córtex pré-frontal é necessário para reativar,selecionar e verificar o engrama correspondente a lembrança.
Esse processamento do conteúdo da memória é,na realidade,semelhante ao efetuado  pela chamada memória e trabalho.

As primeiras respostas á questão de saber onde e como o cérebro conserva as informações que recebe foram fornecidas pelos resultados experimentais de Karl Lashley (1950) e pela hipótese plástica de Donal Hebb (1949). A idéia de um "centro" foi rejeitada em favor da concepção de que a memória é distribuída em redes interconectadas que, coletivamente, representam o conjunto das experiências vividas pelo sujeito.
Donald Hebb formulou também a hipótese de que essas redes codificam a informação modificando a eficácia de algumas de suas conexões-modificações cujas regras fisiológicas ele esclareceu.
O postulado da existência de um traço difuso (Difuso = diversos pontos diferentes), ou sem localização da memória não é incompatível com a hipótese de que alguns de seus componentes estão situados em regiões específicas. Uma pessoa normal submetida a um paradigma de condicionamento aversivo clássico apresentará, graças a memória procedural uma resposta emocional condicionada, mas terá também,graças á memória declarativa,a capacidade de descrever a situação vivida.

Entretanto uma pessoa com lesão hipocampal será capaz de guardar apenas, a memória da resposta condicionada, enquanto em um indivíduo privado de certos núcleos da amígdala essa memória não se formará. Dito de outra forma, a idéia de localização é justificada também pelo fato de a pessoa com lesão cerebral poder manifestar uma resposta condicionada adequada sem lembrança de como e quando adquiriu esse conhecimento, e lembrar-se disso sem ser capaz de manifestar comportamentalmente a reposta aprendida.
Essa localização corresponderia a propriedades diferentes das redes que, no interior de casa estrutura, armazenariam cada componente da experiência global. De forma mais precisa, a arquitetura sináptica de certas redes só permitiria armazenar associações do tipo estímulo-resposta, enquanto redes como a do hipocampo e a do neocórtex teriam arquitetura diferente e várias conexões que permitiriam a armazenagem e a utilização de conhecimentos distintos (memória declarativa).

COMUNICAÇÕES ENTRE NEURÔNIOS.

A idéia de que a formação da memória requer modificações duradouras nas comunicações entre células nervosas foi confirmada por uma descoberta em 1973.Utilizando estímulos elétricos,Tim Bliss e Terje Lomo mostraram, pela primeira vez, que algumas sinapses podem conservar,de forma duradoura,traços de sua atividade passada.Trata-se do estudo dos mecanismos subjacentes ao fenômeno da "potenciação de longa duração",que levou a neurobiologia molecular da memória a alcançar espetaculares resultados,obtidos  com manipulação genética.
As modificações moleculares mencionadas ocorrem em cascata e só são concluídas após horas ou dezenas de horas.
Assim, a estabilização das redes que correspondem a uma nova aquisição não pode ser imediata. No fim do século XIX, Théodule Ribot já havia notado a fragilidade da memória recente (sua vulnerabilidade aos traumatismos cranianos, por exemplo), algo que contrastava com a estabilidade das memórias mais antigas, Desde então, vários estudos investigam os mecanismos neurobiológicos que subjazem ao processo de "consolidação".
Embora a recente abordagem molecular constitua um dos aspectos da questão, sabemos que o fenômeno envolve, em nível de integração maior, mecanismos ligados especialmente aos estados emocionais e ao sono.
O sono é invocado também para explicar uma consolidação que,ao contrário da primeira,estende-se por períodos bem mais longos (nos humanos, por vários anos). Nesse caso, entretanto, não se trata da idéia da simples estabilização dos engramas,mas de uma verdadeira reorganização de seus suportes e,paralelamente,dos mecanismos que permitem o acesso a eles.
Analisada inicialmente como um fato cujas manifestações e fracassos só podiam ser avaliados em termos psicológicos,a memória se tornou aos poucos,tema da neurobiologia.Esse esforço da "naturalização" foi guiado por algumas questões fundamentais (formas de memória,natureza das representações,consolidação) que já haviam sido formulada e "pensadas" há mais de um século.A perspectiva adotada hoje é a de uma "neurociência cognitiva da memória",que privilegia o elo entre diferentes níveis de análise (da psicologia cognitiva á biologia molecular).Além de proporcionar um melhor conhecimento,as pesquisas sobre a memória pretendem também remediar as falhas dessa faculdade.Afinal,tendemos a esquecer os incríveis serviços que ela nos presta em todos os momentos da vida.







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