segunda-feira, 13 de junho de 2011

A diversidade da memória (Parte-2).(Arquivo Cerebral).

Em 1953, William Scoville e Brenda Miller relataram o caso de um paciente epilético operado aos 27 anos.
Hipocampo, amígdala e parte do lobo temporal foram retirados de forma bilateral, o que atenuou para certos tipos de informações recentes. H.M. conservou as lembraçans mais antigas, mas se tornou quase incapaz de formar novas. Quinze anos após a cirurgia, lembrava-se da data de seu nascimento, mas não sabia dizer a idade.
A memória depende da totalidade do lobo temporal medial (Amígdala, formação Hipocampal, Córtex para-hipocampal): sua ablação impossibilita a aquisição de novas lembranças (amnésia anterógrada). Estudos mostraram que a memória declarativa (a dos fatos) do paciente foi mais atingida que a procedural.
Ao se exercitar diariamente com as "torres de Hanói" (discos de tamanhos diferentes que devem ser colocados em três torres, sem que um disco maior fique por cima de um menor), H.M. não se lembrava do jogo (memória declarativa),mas seu desempenho melhorava (memória procedural).
Outros casos confirmam o provável papel do hipocampo em certos aspectos da memória. Embora o conhecimento gerado pelo estudo de lesões específicas tenha limites - de fato, parece contestável determinar a função precisa de uma região com base em observações ligadas á sua ausência-, ele permitiu definir características das estruturas que participam da elaboração da memória.
Atualmente, graças a procedimentos não - invasivos como o imageamento cerebral, o estado neuropsicológico do paciente é vinculado á extensão e localização precisa da lesão, o que permite observar, em voluntários sãos, as redes neuronais ativadas durante uma tarefa mnemônica.

POTENCIAÇÃO QUÍMICA.
Como uma lembrança é gravada na memória, talvez por toda a vida? O que acontece no cérebro,quando lemos um poema e,anos mais tarde lembramos-nos dele?
Na metade do século XX já se supunha que o cérebro modificava a atividade de suas redes celulares durante a aprendizagem. Dos estudos neuropsicológicos realizados na época, um princípio fundamental foi obtido: a aprendizagem resulta de associações, isto é, da conjunção regular de fenômenos estreitamente ligados no tempo. Em 1949, Hebb supôs que a ativação simultânea de vários neurônios facilitaria a transmissão de informações entre eles. Em outras palavras, os neurônios ativados conjuntamente formam entre si circuitos preferenciais.
Esse princípio de convergência explicaria a formação de memória no cérebro.
Para testar a hipótese, biólogos procuraram sinais de plasticidade neuronal, isto é,a capacidade dos neurônios de modificar a força de suas conexões.Segundo o modelo de Hebb,a memorização desencadeia uma remodelagem da rede de neurônios,processo que deve passar pela criação ou reforço de certas conexões entre eles.
Nos anos 60, pesquisas mostraram que, quando estimulamos eletricamente, de maneira repetida e em alta freqüência, as vias nervosas que conduzem a certas regiões do córtex,a atividade elétrica dessas áreas aumenta de forma duradoura.O reforço na eficácia da transmissão entre neurônios foi chamado de "pontencialização de longa duração".Seria esta uma forma de memória celular?
Em 1973, Timothy Bliss e Terje Lomo descreveram as primeiras sinapses dotadas de plasticidade no hipocampo de coelhos anestesiados. Com microeletrodos,registraram os potenciais elétricos dos neurônios do giro dentado.Esses potenciais,produzidos pela atividade sináptica,aumentam após o estímulo elétrico de alta freqüência exercido nas conexões que levam aos neurônios do giro dentado.
Assim, a transmissão sináptica é reforçada por forte excitação, fenômeno que dura várias horas, por vezes dias. O estímulo, embora breve (alguns segundos),altera de forma duradoura as propriedades elétricas dos neurônios hipocampais;daí o nome potenciação de longa duração.
O fato de essa potencialização ter sido descoberta no hipocampo reforçou a idéia de que tal mecanismo poderia constituir uma das bases celulares dos processos mnemônicos.
Nos anos 80, estudos do hipocampo contribuíram para a compreensão dos mecanismo farmacológicos,morfológicos e bioquímicos da potencialização de longa duração,já que a estrutura se presta facilmente ás técnicas in vitro.
Podemos cortá-lo em finas fatias nas quais as fibras que inervam seus neurônios são preservados.Nessas condições,a estimulação adequada dos feixes de fibras que chegam a determinada região ocasiona a potenciação comparável á observada in vivo e que persiste portanto tempo quanto sobreviver a fatia.Quando os neurônios pré-sinápticos são estimulados,transmitem suas mensagens aos pós-sinápticos.Com finos eletrodos colocados em seções do hipocampo é possível registrar,do lado pós-sináptico,o impulso elétrico que prova que a mensagem atravessou a sinapse.Nas pesquisas in vitro,quando aplicamos uma estimulação breve de alta frequencia (tetanização) ás fibras pré-sinápticas,notamos que a eficácia da transmissão da mensagem elétrica aumenta de forma duradoura se comparada ao nível anterior á tetanização.
As sinapses do hipocampo em que ocorre a potencialização utilizam moléculas de glutamato como neurotransmissor.
A substância é liberada pelo terminal sináptico e, depois, age ao se ligar aos receptores específicos localizados nos neurônios pós-sinápticos.Entre os receptores de glutamato distinguimos os NMDA (Sigla que corresponde a Nmetil-D-aspartato, nome da molécula que os ativa seletivamente) e os AMPA.
Eles contêm um canal que atravessa a membrana neuronal e se abre quando a ele se une uma molécula de glutamato.
O canal deixa passar, então, íons carregados positivamente. Essa transferência de carga para o interior da célula produz uma corrente elétrica que desencadeia a resposta do neurônio pós-sináptico.
Quando fibras pré-sinápticas são ativadas por estimulação elétrica, o glutamato se une aos dois tipos de receptores, que estão ás vezes, localizados nas mesmas espinhas dendríticas (pequenas saliências que formam a parte pós-sináptica da sinapse).
Entretanto, os NMDA são bloqueados por íons de magnésios que formam uma espécie de tampa iônica. A resposta do neurônio deve-se á ativação dos receptores AMPA.
Neste caso, uma corrente, formada por íons de sódio, entra na célula e modifica o potencial da membrana (que é despolarizada). O neurônio responde então emitindo um potencial de ação. Assim ativada, essa célula transmite a mensagem a outras regiões.
Imaginemos agora que uma estimulação de alta freqüência seja aplicada ás fibras pré-sinápticas. Uma grande quantidade de glutamato será liberada, o que despolarizará o neurônio pós-sináptico e desbloqueará o canal NMDA. Como o receptor NMDA contém um canal permeável aos íons cálcio, abundantes no meio extracelular, o cálcio entrará no neurônio. O neurônio pós-sináptico emite um potencial de ação, mas, desta vez, sofre profundas modificações metabólicas, principalmente em razão do importante papel que o cálcio desempenha na ativação de significativas funções celulares.
A potencialização de longa duração só é desencadeada se cálcio suficiente penetrar no neurônio pós-sináptico. Se esse limite é atingido, os mecanismos de transcrição da mensagem passam a funcionar.
Eles fazem intervir certas proteínas, principalmente as quinases, proteínas que incorporam grupos fosfato em outras proteínas, para ativá-las. Trata-se da fosforilação.Uma dessas quinases é necessário para iniciar a potenciação de longa duração: a quinase II dependente de cálcio e calmodulina (CaMKII).A CaMKII pe capaz de se autofosforilas.O processo depende do cálcio, mas, uma vez realizada, a atividade da CaMKII torna-se independente deste íon.A CaMKII pode assim agir após a concentração de cálcio nos dendrítos ter retornado ao nível normal.Estudos mostraram que essa autofosforilação ocorria após a indução da potencialização de longa duração.
Após um estímulo tetanizante,aumenta a fosforilação dos receptores AMPA mediada por CaMKII,que os torna mais ativos.Este mecanismo não é o único meio de melhorar a eficiência da transmissão sináptica: maior liberação do neurotransmissor também pode gerar este efeito.Ora, a maior parte das modificações metabólicas que levam á potencialização de longa duração ocorre nos neurônios pós-sinápticos.Se esta potenciação resultar de uma maior liberação do neurotransmissor, é preciso supor a intervenção de mensageiros retrógrados que,sintetizados no neurônio pós-sináptico,atravessariam a sinapse rumo á terminação pré-sináptica,para estimular a liberação de glutamato.Ainda se debate a identidade dessas moléculas de ação retrógrada.
A modificação da eficácia sináptica se dá, em parte, como conseqüência da fosforilação de proteínas ligadas á membrana sináptica.Porém, esse processo, por si só, não pode representar o mecanismo da memória de longa duração,pois a fosforilação de uma molécula não é permanente: aos poucos, os grupos fosfato são removidos das proteínas.É difícil ver aí a marca das lembranças de infância.

(Post sujeito a alterações e acréscimos).

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