terça-feira, 31 de maio de 2011

Doenças do Cérebro.2/2

(Continuação do primeiro post sobre Esquizofrenia).

NO RASTRO DO HOMO SAPIENS:

Um dos mais fascinantes capítulos no estudo da esquizofrenia é a tentativa de compreender as possíveis alterações genéticas que levam a ela.
O psiquiatra inglês Timothy Crow,uma das maiores autoridades mundiais no assunto,diz que "o preço que o Homo Sapiens pagou para a ultraaespecialização da espécie,ou seja,a aquisição da linguagem,foi a esquizofrenia".Crow baseia suas surpreendentes afirmativas em causas genéticas e epigenéticas para a doença.Um dos aspectos que o interessam é saber se há relação entre esquizofrenia,linguagem e assimetria cerebral.
Há evidências de que a assimetria cerebral numa população é uma característica humana.Isso sugere que em algum ponto da evolução hominídea ocorreu uma discreta mutação genética e essa alteração foi associada á lateralização cerebral,desempenhando certo papel na evolução da linguagem.Essa hipótese pode estar relacionada com o argumento de que a linguagem é uma aquisição abrupta e relativamente nova na linhagem hominídea,o que é sugerido por achados arqueológicos que indicam que a habilidade para representação com símbolos remonta a não mais que 90mil anos.Esse ponto de vista é consistente com o conceito de que é a capacidade para a linguagem a característica que define o Homo Sapiens,uma espécie que teve origem em algum lugar da África por volta de 100 mil anos atrás.
Não se sabe ao certo se a lateralização  foi introduzida nessa época ou se já existia anteriormente,por exemplo,no Homo erectus, e teria sido modificada por uma mudança genética posterior.A consequêmcia dessa possibilidade evolutiva é que a mudança genética que levou ao aparecimento da linguagem tenha sido relativamente simples e em número reduzido.
Crow argumenta que a determinação genética da assimetria estaria numa região  homóloga dos cromossomos sexuais,X e Y.A história evolutiva desses cromossomos fornece um ponto para essa localização depois da separação das linhagens que vão do chimpanzé  ao Homo Sapiens,houve uma translocação  de um gene localizado no cromossomo X,conhecido com Xq21.3.Segundo ele,esse gene foi transferido de maneira invertida para o cromossomo Y de espécies hominídeas e,mais tarde sofreu também uma inversão humana.
Sequências de genes dentro desse bloco estão presentes nos cromossomos X e Y em humanos,mas apenas no X em outros primatas.Nessa região de homologia, um gene recentemente descrito (protocaderina XY) talvez seja forte candidato a representar um caráter específico do Homo sapiens,tal como a assimetria cerebral.
O qu ese admite é que a protocaderina oriunda da sequência gênica do cromossomo Y é diferente da que se origina no cromossomo X.Uma vez que existem diferenças nas sequências de genes entre as cópias X e Y,estes podem desempenhar algum papel nas diferentes expressões gênicas entre os dois sexos,tais como a idade  de início das psicoses,lateralização e desenvolvimento da habilidade verbal,todas elas expressas de maneira diferente entre os dois sexos.
Em resumo,a protocaderina XY na região Xq21.3 é candidata determinante da assimetria cerebral e,portanto,da capacidade humana da linguagem.Se essa hipótese estiver correta,a variação desse novo agente do desenvolvimento evolutivo é epigênica,mais que baseada numa sequência específica de DNA,isto é,mais que resultado de fatores ambientais não identificados que acabam contando para a variabilidade da transmissão da habilidade manual das psicoses.
Para Crow e vários outros autores,a chave das alterações anatômicas da esquizofrenia está na perda, ou mesmo, na reversão, da assimetria.Contudo,não foi identificado até o momento um gene para assimetria.Os achados de ligação genômica com psicoses também são frágeis e inconscientes.Uma posibilidade considerada por Crow é que a predisposição para a psicose não seja genética - associada a uma mutação num seguimento do DNA - mas epigenética,isto é,refira-se á expressão gênica regulada por algum processo químico ou através da ativação de genes inativos no cromossomo sexual,X.
Há muito se sabe que outros fatores capazes de produzir agressões ao cérebro fetal podem predispor á esquizofrenia,em especial agentes infecciosos e danos provocados por complicações de parto.Eventuais traumatismos durante o nascimento poderiam explica o fato de os gêmeos idênticos terem apenas 50% de chance de ser ambos esquizofrênicos.O gêmeo mais suscetível seria o que sofreu mais no momento de nascer.Segundo alguns autores,o feto privado de oxigênio no útero por pré-eclâmpsia tem risco de esquizofrenia nove vezes maior que o normal.


Hipótese Viral :

Outra teoria instigante começou a ganhar importância com os conhecimentos adquiridos a respeito dos retrovírus causadores de AIDS.Uma das características dos retrovírus é que quando ocorre infecção eles passam a ser incorporados ao DNA do hospedeiro.No caso da AIDS os retrovírus se incorporam ao DNA de cromossomos das células sanguíneas e não das germinativas (espermatozoide e óvulo);portanto não podem ser transmitidos á nova geração por um hospedeiro.Mas é certo que num passado remoto alguns retrovírus infectaram células germinativas de nossos antepassados,tomaram posição no DNA e foram transmitidos a nós.sabemos disso porque,com a decodificação do genoma humano,descombriram-se muitas cópias completas de genomas de retrovírus incorporados ao nosso DNA,constituindo verdadeiras receitas para frabricação de partículas virais infecciosas.Conhecidos como retrovírus endógenos humanos ou hervs (Singla em Inglês),eles se posicionaram como parasitas no nosso DNA,e nós  os transmitimos aos nossos descendentes.Cópias simplificadas desses genomas virais são numerosas em nosso DNA.
Felizmente,o DNA viral permanece inativado na maioria das pessoas.Está como que adormecido.Na verdade encontra-se inativo por um processo conhecido por  metilação.Em tese,um parasita "adormecido" no nosso patrimômio genético pode escapar e provocar uma infecção de dentro do organismo e agir como qualquer infecção vinda do meio externo.
Em 2000,Robert Yolken e seus colaboradores da Universidade Johns Hopkins procuravam evidências de atividade HERV em esquizofrênicos.
Eles examinaram o líquido cefalorraquidiano de 35 pessoas recém-diagnosticadas como esquizofrênicas em Heidelberg,Alemanha,20 pessoas que tinham sofrido do distúrbio por muitos anos na Irlanda e 30 indivíduos-controle saudáveis dos dois lugares.Dez dos esquizofrênicos alemães e um dos irlandeses mostraram evidências de vírus HERV ativos,mas nenhum do grupo de controle.
No entanto,nada disso é a comprovação cabal de que a esquizofrênia tem suas causas na ativação de um vírus HERV instalado no patrimônio do genoma humano.Mas indica que pode haver uma ligação.Esquizofrênicos raramente se casam.Têm,portanto,pouca chance de deixar descendentes.Mesmo assim novos esquizofrênicos surgem a cada ano e atingem a espantosa cifra presumível de 1% da população mundial.A ideia de que uma alteração gênica possívelmente seja ativada por um agente externo pode ser a explicação para esse fato.
Atualmente os pesquisadores tendem a identificar a esquizofrenia a uma causa multifatorial.Aspectos genéticos e epigenéticos ganham cada vez mais notoriedade.O conhecimento da evolução do Cérebro humano parece indissociável no longo caminho a percorrer.Entender como espécies hominídias desenvolveram o córtex pré-frontal e a linguagem talvez seja uma pista persuasiva a ser seguida.
Desvendar seus mecanismos,as razões pelas quais um adolescente ou adulto jovem começavam a ouvir vozes que parecem vir de dentro da própria cabeça,tem sido talvez o maior desafio que a medicina encontrou.

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